quarta-feira, 30 de maio de 2012

O NORDESTE, QUARTA-FEIRA, 21 DE MAIO DE 1952

MANOEL DE OLIVEIRA PAIVA (VII)
"Dona Guidinha" no quadro da época
J. Paiva
Biblioteca Infantil Monsenhor Bruno, em Aracati-Ceará, a 154 Km.
de Fortaleza. Cidade Natal de Mons. Bruno de Figueiredo. 
(Foto do blog Biblioteca Infantil Monsenhor Bruno) 
Mons. Bruno nasceu em 1841 e faleceu em 1930.
É nome de rua, em Fortaleza. É vasta e rica, a sua biografia. 
(Foto do blog Biblioteca Infantil Monsenhor Bruno)
Avenida Frei Serafim, em Teresina- Piauí, vendo-se, ao fundo, a
Igreja de São Benedito, mandada construir por Frei  Serafim, quando
de sua missão pelo Nordeste do Brasil, no século XIX. (Foto : google)
Igreja de São Benedito, em Teresina, capital do Piauí, que levou 12 
anos para ser edificada, na missão de Frei Serafim, que chegou à 
à cidade de Teresina em 1874. (Fonte: Wikipédia).
Imagem de Frei Serafim de Catânia, que fica na avenida que
leva o seu nome, em Teresina. Frei Serafim, era um missionário
Capuchinho que chegou ao Brasil por Recife, em 1841. percorrendo
todo o Nordeste, pregando e edificando igrejas, tornado-se famoso por
sua bondade e fama de milagreiro.  (Fonte: Wikipédia)
Vista panorâmica e atual de Quixeramobim, no Sertão Central, 
a 216,7 Km de Fortaleza. Nesta cidade, nasceu  Maria Francisca
de Paula Lessa a "Marica Lessa" que "inspirou" Manoel de Oliveira
Paiva  na personagem "Dona Guidinha". (Foto: site da Prefeitura de
Quixeramobim). 
Igreja Matriz de Quixeramobim, cujo padroeiro é Santo Antônio.
Nela, em 1804, foi batizada Maria Francisca de Paula Lessa, a
Marica Lessa, "retratada", em Dona Guidinha do Poço, romance 
de Oliveira Paiva, como Margarida, a Dona Guidinha.(Wikipédia).
Barragem de Quixeramobim, onde corre o rio de mesmo nome, o
afluente esquerdo do rio Banabuiú, que deságua no Rio Jaguaribe.
(Foto: site da Prefeitura de Quixeramobim)
Cadeia pública, em Quixeramobim, onde foi presa Marica Lessa
(personagem real, que inspirou  Dona Guidinha),antes de ser transferida
para Fortaleza, onde foi julgada e condenada a 30 anos de prisão e
onde veio a falecer,por volta de 1887, quando mendigava  nas ruas... 
(Fonte: Wikipédia, no verbete Marica Lessa )
Cadeia Antiga, de Fortaleza, onde ficou presa Marica Lessa. Hoje,
esta edificação abriga a ENCETUR, centro de artesanato e outras
atrações turísticas. (Foto: google)
Antiga Cadeia de Fortaleza, hoje um centro de turismo, vista por 
outro ângulo, tendo ao fundo o prédio da Santa Casa de Misericórdia.
Uma das galerias da Antiga Cadeia de Fortaleza, hoje ENCETUR,
onde se encontram belos artesanatos regionais, com renda de bilros
bordados... além da gastronomia cearense. (Foto: google)
Principal  portão da Antiga Cadeia, na sua parte interna,
por onde passou, certamente, "Marica Lessa", a mulher que
 inspirou o romancista Oliveira Paiva a criar Dona Guidinha.
Esta edificação se localiza na parte mais antiga de Fortaleza....
bem próximo ao mar... (Foto: google)




Diz Monsenhor Bruno de Figueiredo, em "Os Primeiros Bispos do Ceará", que, "distanciado de Olinda, visitado por Delegados dos Bispos, os quais não podiam remediar todas as faltas, entregues na sua máxima parte a homens que não podiam atacar os vícios, que não sabiam apontar a boa doutrina, que enfim não tinham tido um tirocínio sacerdotal, que os habilitasse a bem apascentar os seus fregueses, o Ceará, por bem que tivesse  conservado a fé e reconhecido pender para a piedade, era uma Diocese que reclamava um gênio criador, um coração paternal, um Apóstolo enfim por suas virtudes e por seu saber".
Apliquemos tão sisudas e sinceras citações ou, melhor, esse termômetro espiritual ao romance de Manoel de Oliveira Paiva.
Se Dona Margarida Reginaldo de Oliveira Barros, na sêca de 1825, ainda pequenota  (10 anos ?),  agora já com 35 anos, quando a vemos criminosa; se o moleque Anselmo, com 9 anos, nascera pela missão de Frei Serafim, que não podia ser antes de 1839, quando começára a "invasão Capuchinha", como costumavam batizá-la os inimigos das Ordens Religiosas;  então a ação do romance começou certamente em 1846, um ano após a sêca de 1845 finalizando talvez em 1850 mais ou menos, alguns anos antes da criação do Bispado do Ceará, em 1854, e ainda muito mais anterior à posse de Dom Luiz, em 1861. Manoel de Oliveira Paiva, que certo teria a retocar, refundir e reajustar, os originais de  "Dona Guidinha do Poço", não faria à-toa um trabalho de tanta realidade, de tanta sinceridade, de tanta originalidade, de tanta graça e naturalidade no linguajar matuto, de tanto respeito no tratamento entre os dois sexos, entre agregados e patrões, entre escravos e senhores...

Logo no primeiro capítulo aparece-nos o Rev. Visitador, que era, no romance, o Cura de Russas do Jaguaribe. Vemos que o romancista dava ao sentimento religioso, à Igreja e ao Clero, o seu lugar de destaque na sociedade sertaneja em que, por um retrocesso de imaginação, nos sentimos tão bem como os honestos personagens do drama, conquanto, aqui e alí, confirme, nos seus diálogos e monólogos, o que nos dizia  o cronista eclesiástico, acêrca  da indisciplina sacerdotal e da falsa devoção.  É certo, aliás, que o Padre, quer no seu ministério quer na sua missão, muito lhe merecem.  A missa não lhe faz sair da pena uma só frase, uma só alusão leviana que lhe tire o valor como centro de piedade, demonstração da Fé por excelência.  E o mesmo diremos dos terços e das novenas, apenas profligando o culto incompreendido das imagens.
Por J. Paiva.
...continua...


*******
NOTAS:
1- O texto biográfico, de J. Paiva, foi transcrito nesta postagem, em sua íntegra e fiel à norma ortográfica com que foi escrito, em 1952, nas páginas do jornal O NORDESTE;

2- As imagens e legendas, que precedem ao texto, ali estão no sentido de contextualizar-se, aos fatos e personagens citados por J. Paiva (José Joaquim de Oliveira Paiva: 1895-1977), sobrinho materno do biografado e meu pai;


3- No próximo capítulo, o VIII, "Dona Guidinha" no quadro da época, terá a sua conclusão, seguindo-se com o sub-título "No Seminário do Crato", no capítulo IX...

*******

Retorno em uma semana...............Abraços!!!



quarta-feira, 23 de maio de 2012

O NORDESTE, TERÇA-FEIRA, 20 DE MAIO DE 1952

MANOEL DE OLIVEIRA PAIVA (VI)
"DONA GUIDINHA" no quadro da época
J. Paiva
Papa Pio IX, autor da Bula  "Pro Animarum
Salute" de 6 de junho de 1854, pela qual o
 Ceará foi elevado à categoria de Diocese.
Dom Luis Antônio dos Santos,1º Bispo do Ceará.
Lazarista  Antônio Ferreira Viçoso,(1787-1875), nascido 
em Peniche-Portugal, que foi Bispo de Mariana -MG, (é o mais
idoso, na foto.)  Imagem copiada do google, como as demais acima...
Enseada do Mucuripe, vendo-se ao fundo o Velho Farol.
(Foto: Arquivo Nirez)
Publico esse vídeo, sobre o Farol do Mucuripe, que foi
 transformado no Museu do Jangadeiro, para mostrar o quanto o local
  está  abandonado, pela Administração do Município de Fortaleza e pela
  falta de zelo, da população, ao Patrimônio Arquitetônico e Cultural  da cidade.




Queremos, com este modesto estudo, não apenas retratar a exata personalidade de Manoel de Oliveira Paiva, como também interpretar seu romance, tanto quanto possível, à luz de uma época perfeitamente determinada pelo ambiente religioso, político e social, salvando assim a crítica de inquinações que ora surdem, menos de acôrdo com a formação do autor. Aprendi a viver tendo sua memória por um dos nomes da família;  tenho padecido, pássaro que tem vivido levando cargas às costas como bêsta, as mesmas torturas do ideal;  sua mãe foi minha inesquecível "vovó", a quem mais queria, nos meus oito anos, abaixo de pai e mãe;  e meu pai, José Joaquim de Paiva, genro de minha avó materna e seu próprio irmão, foi tio e cunhado de Manoel de Oliveira Paiva.
Mas vamos primeiramente apreciar a parte rligiosa do cenário do romance.

O Ceará, até a data de sua elevação à Categoria de Diocese, pela Bula, de título aliás particularmente significativo, "Pro animarum salute", do Papa Pio IX, de 6 de junho de 1854, tinha sido vigaria forânea da Diocese de Olinda.  Dom Luis Antônio dos Santos, um santo discípulo do santo lazarista  Antônio Ferreira Viçoso, depois Bispo de Mariana, fôra sagrado a 14 de abril de 1861, e tomou posse solene da Diocese a 29 de setembro seguinte.  Ele considerava desolador o estado do rebanho católico que lhe havia sido confiado, para isso bastando avaliar-se a imensa distância que a separava do Bispado de Pernambuco.  "Que trabalho verdadeiramente sôbre-humano, exclama um seu biógrafo, exigia tão grande emprêsa!  Pobres almas que jaziam assentadas à sombra da morte, sem lar e sem amor!  Dom Luis não esmoreceu um só instante diante de tão árdua tarefa ! ".

O primeiro Bispo do Ceará empreendeu a formação e santificação do Clero, a ereção de novas Paróquias e as visitas pastorais, além da constante pregação da Palavra de Deus. Também foi um prelado possuidor de inesgotável amor ao próximo. Entre as notas do seu "Diário" havia muitas como esta:  "1878 - 3 de Dezembro - Fui socorrer a uma pobre viúva doente com dois filhos; achei mortos ela e um filho à fome ; - Confissão em Mucuripe (bexiguentos). Outeiro:  Visitas  às barracas de S. Luiz, de Pajeú, de Pacatuba".
Estes três pontos do Bairro do Outeiro eram:  um ao lado da  igreja de S. Luiz, hoje demolida;  Pajeú, junto ao antigo açude;  e Pacatuba, nas terras do Barão de Aratanha, atrás da futura igreja do Sagrado Coração de Jesus, cuja construção estava sendo iniciada como um voto do sr. Bispo para que findasse a Grande Seca. Perto do Pajeú, do lado direito, ficava o sítio ou terreno arborizado de minha avó a que nos referimos anteriormente. A mãe de Oliveira Paiva abrigava retirantes à sombra das árvores ou em casebres, sendo que inúmeros apanharam varíola, com muitos casos fatais. Minha avó, dava água a todo o povo e no Outeiro se dizia que a cacimba de Dona Mariquinha não secara  durante os três anos porque ela franqueava água a todos.  Essa cacimba fica hoje no quintal da casa à Rua 25 de Março nº 681, de propriedade do sr. Messias Gonçalves. Supomos que em seu romance o meu tio Manoel refletiu o que vira então na Casa Velha de Dona Maria Izabel de Paiva Oliveira.
Por J. Paiva
...continua...
*******

NOTAS:
1- Estou mantendo, sempre, a ortografia original do texto biográfico, de J. Paiva, publicado em 1952 no jornal O NORDESTE;

2- Os leitores mais antigos, deste espaço, devem devem ter se lembrado de alguns fatos, no texto acima, como o da "cacimba da Dona Mariquinha", que foram tratados na "Saga de uma família", em postagens de 2011;

2- O romance "Dona Guidinha do Poço", foi "inspirado" em um fato real, ocorrido em Quixeramobim, no Sertão Central do Ceará, 
quando Manoel de Oliveira Paiva teve, em mãos, um processo sobre um "crime passional". Estava o escritor naquela cidade aprazível, tratando-se de uma tuberculose que o acometera...;

3- No capítulo VII, o próximo, mais "Guidinha do Poço" no quadro da época. Não percam!!!

()()()()()()()

Garanto que volto, na próxima semana. Abraços!





quarta-feira, 16 de maio de 2012

O NORDESTE, TERÇA-FEIRA, 13 DE MAIO, DE 1952

MANOEL DE OLIVEIRA PAIVA (V)
Contingências e sentimentos da família
J. Paiva
Nesta foto, vê-se a Rua 25 Março, em Fortaleza, no antigo bairro  
Outeiro,onde ficava o sítio comprado por Maria Isabel, mãe de 
Manoel.de Oliveira Paiva, ao ficar viúva do Mestre João. 
Era localizado à esquerda,  na parte inferior, tendo sido adquirido
em 1871. A foto é do início do século XX. Muito mudou...aí...
(Foto: Arquivo Nirez).
Praça Cristo Redentor, vendo-se ao fundo a Igreja da Prainha (N.S.
da Conceição da Prainha) que era frequentada pela família Oliveira
Paiva . A Igreja é do século XIX, mas a torre  com a praça, foi
construída na 2ª década do século XX.. Tanto a torre do Cristo Redentor,
como a Igreja da Prainha, estão sendo preservadas. (Foto: Arquivo Nirez) 
A ladeira, vista na foto, vem dar na Praia de Iracema, bem à frente.
Descemos muito essa ladeira, para irmos tomar banhos de mar.
Os degraus e os trilhos de bonde, já não existem. Hoje, é via
de carros, com intenso movimento. ( Foto: Arquivo Nirez).
O casario do Bairro da Prainha, vista do alto, da igreja. A
torre, que se avista ao longe, é de uma edificação que hoje
abriga  a Secretaria da Fazenda do Estado (SEFAZ). Já não
o coqueiral da época...próximo ao mar (antiga Praia do  Peixe,
hoje Praia de Iracema - Foto: Arquivo Nirez).
Fotos atuais, em detalhes, da Igreja da Prainha, que passou  por
algumas reformas. O Cristo na Cruz, que fica à frente da igreja,
é uma obra que foi executada pelo Mestre João (João Francisco
de Oliveira), pai de Manoel de Oliveira Paiva (meu bisavô paterno).
(Fotos: Oficina de Projetos)
Imagem de Santa Catarina Labouré, Irmã de
Caridade. Assim, era o "hábito" das Irmãs de
 Caridade francesas, que vieram para o Ceará em 1864.
Esse tipo de indumentária, inclusive o chapéu, chamado de
"corneta", permaneceu em uso até os anos 1960, salvo engano...!
(Imagem: blog ORAÇÃO E VIDA DE SANTOS).


Mas vamos descer do terreno elevado das crenças e das virtudes, a fim de apreciarmos as tristes contingências materiais em que ficára a mãe de Manoel de Oliveira Paiva.


Ela não podia continuar na casa onde uma hipoteca a precipitara. Não sei se pela exiguidade de espaço, ou por outro motivo. De um casal de escravos que, entre poucas coisas, lhe restara de uma partilha com herdeiros de dois casamentos de seu pai, filhos de uma escrava da família, vendera o Anselmo, de quem Manoel de Oliveira Paiva se lembrava certamente criando um moleque com êsse nome no romance "Dona Guidinha do Poço", astucioso que era o verdadeiro Anselmo, que molhava um pedaço de pão de milho no no azeite da lamparina acesa, ante um nicho de São Francisco das Chagas.  Pedia licença ao santo, e como êle se calava naturalmente, molhava o cuscús no azeite de côco e o comia, rindo da própria astúcia.
Rendeu o negrinho 800 mil reis, e minha avó chorava ao desfazer-se dêle, a quem queria como a um filho, forçada pelas circunstâncias duríssimas em que ficára com a morte de Mestre João. Sua irmãzinha Paula era a Madrinha Paula, "de girau", minha e de minha irmã. Tudo se acabou, tudo entrou para a eternidade...


Com êsse dinheiro, aforára um grande terreno no Outeiro. Lá foi construída uma casa de taipa, que na tradição de todos ficou conhecida como a "Casa Velha", ao ser demolida. Dali, enquanto meu tio Manoel de Oliveira Paiva ia entrar no Seminário do Crato, pois fizera sua Primeira  Comunhão ao tempo da Missão do Padre Onoratti e, demonstrara vocação ao sacerdócio, isto em 1875, parte de suas irmãs, inclusive minha mãe, ingressaram no Orfanato do Colégio da Imaculada Conceição, cuja Superiora era a Irmã Bazet, de quem lá em casa tanto se falava bem, como  nas demais Irmãs que aqui chegaram em 1864.
Três de minhas tias, entre mais ou menos 1875 e 1879, entraram no postulado das Filhas de São Vicente de Paulo, e tornaram-se verdadeiros Anjos da Guarda da nossa família. Com duas me correspondi desde os meus 7 anos. A última veio a falecer no Colégio Santa Izabel, em Petrópolis, a 1º de julho de 1945, aos 91 anos de idade e mais de 70 de vocação. Minha avó foi uma das mais antigas e assíduas Senhoras de Caridade Visitantes;  e até poucos dias antes de morrer, aos 88 anos de idade, em 1898, minha avó-bisavó, viuva de meu avô assassinado em 1842, ia todos os dias, acompanhado pelo sr. Áfio Bezerra de Menezes, da nossa casa na Praça do Colégio ou Rua 25 de Março para a Capela Velha, como assim era conhecida a antiga Capela das Irmãs, ao lado da igreja do Pequeno Grande, cuja construção apenas se iniciára. 


Enquanto Manoel de Oliveira Paiva seguia seu destino de sacertdote que um insólito incidente impediu de sêr; de militar a quem a moléstia pôs fora da carreira; de romancista que só teria de ser realmente conhecido e glorificado 60 anos após a morte, ficava o outro irmão, João de Oliveira Paiva. Pobre e enfrentando a criação e educação de não pequena família, minha avó, hábil aliás em prendas domésticas, no entanto pela madrugada fazia angu de milho, e lá ia à sua infalível Missa na Prainha. O filho João, depois que o angu ficava frio, cortava os mercados, punha-os sobre um tabuleiro, jogava-o sobre a cabeça de um negrinho e saia pela rua a vender o angu de milho feito pela mãe de Manoel de Oliveira Paiva. João de Oliveira Paiva, casado depois na família Menescal  Frota, de Arronches, não teve o espírito inventivo de seu pai, porém nenhum instrumento de música para êle tinha segrêdo, a uns afinando, a outros restaurando, a outros deslocando peças para reconstruir um terceiro. Tibúrcio Targino, com êle muito aprendera, e há pouco tempo faleceu, pobre e ignorado, o velho Mestre Antônio, afinador de piano, a quem chamávamos Antônio Conselheiro, e que tudo devia a João de Oliveira Paiva, cuja memória idolatrava.


Foi portanto, em meio a essas contingências de vida mas vivendo um ambiente doméstico de trabalho, piedade e virtudes, que se tornou adolescente Manoel de Oliveira Paiva.  Vamos já compreendendo que não era simples atavismo, uma ruminação mental e crenças desfeitas, o traço religioso, embora com alguns senões, que atravessa sua obra literária.  Vê-lo-emos com a continuação destas notas, que mais me sáem do coração que da mente, se grafar no papel...
Por J. Paiva
...continua...


*******
NOTAS:
1- Optei por transcrever esse texto biográfico, sobre Manoel de Oliveira Paiva, escrito e publicado em 1952 por J. Paiva, mantendo a forma original da época, em sua ortografia.

2- Sempre que possível, trarei imagens que possam "levar" o leitor a ter uma ideia de como era o "cenário" da Fortaleza da época, ou próximo à época, em que viveu Manoel de Oliveira Paiva, o personagem principal dessa história de família.

3- Quero aqui, tocar na dolorosa  "ferida" daquela época: a escravatura. Por "ironia", a mãe do biografado vendeu um escravo que criava como a um  "filho"... Assim, era: famílias abastadas, "possuiam" escravos. No entanto, Manoel de Oliveira Paiva tornou-se um dos maiores baluartes, no Ceará, no movimento abolicionistas, como pode-se constatar em sua obra, em sua  vida...


4- O Sr. Áfio Bezerra de Menezes, que acompanhava a minha bisavó-trisavó paterna, a quem J. Paiva, meu pai, se refere no seu texto acima, viria a ser meu meu bisavô e tio- avô materno.
O "parentesco duplo", se deve ao fato de que, tanto meu avô paterno, quanto meu avô materno, casaram-se, ambos, com uma sua sobrinha.


5- Os próximos capítulos, o VI, o VII e o VIII terão o seguinte sub-título:  "Dona Guidinha" no quadro da época.

*******
Mais uma semana, e estarei de volta.....Um abraço!

















quarta-feira, 9 de maio de 2012

O NORDESTE SEGUNDA-FEIRA 12 DE MAIO DE 1952

MANOEL DE OLIVEIRA PAIVA (IV)
Contingências e sentimentos da família
J. Paiva
Dr, Guilherme Studart, o Barão de Studart.
Médico, Historiador, de grande importância para
 a historiografia do Ceará. (Foto: o nordeste.com.)
Dicionário Bio-Bibliográfico Cearense, do
Barão de Studart. Rica fonte para pesquisa, sobre
o Ceará e os cearenses. (Foto: Portal da História do Ceará).
Padre Pedro Leopoldo de Araújo Feitosa, que foi Cura
da Sé de Fortaleza. Autor de "As Belezas do Cristianismo",
tendo sido padrinho de Batismo de minha tia Maria Carmelita, irmã
 de José Joaquim de Oliveira Paiva  (J. Paiva), meu pai, autor da biografia
de Manoel de Oliveira Paiva, ora transcrita em capítulos, neste blog.
(Foto: Arquivo de Pedro de Albuquerque)
Padre  Francisco Máximo  de Feitosa e Castro, Vigário
e Chefe de Partido, citado no texto biográfico.
(Foto: Arquivo de Pedro de Albuquerque).
Colégio da Imaculada Conceição, com a sua Igreja do Pequeno Grande.
O colégio já existia na década de 1870, porém a igreja, só foi  concluida
e inaugurada em 1903. (Foto: Arquivo Nirez)

                                                                     
Exemplar do livro "Imitação de Cristo", um dos livros
citados por José Joaquim de Oliveira Paiva (J. Paiva),
na biografia de Manoel de Oliveira Paiva, ora transcrita,
em capítulos, neste blog. (Foto: Mercado livre).
"O Evangelho em Triunfo ou a História
de um Filósofo Desenganado" ....
Um dos livros citados, por J. Paiva, no
texto bibliográfico abaixo. (Foto: Mercado Livre)
                                                                          

É tempo de tratarmos da formação espiritual  do tio Manoel. 
Ornava nossa casa um grande oratório, repleto de várias imagens já mencionadas, ante as quais por muitos anos rezámos.
Manoel de Oliveira Paiva não deixa que seus personagens percam a missa. Chega a procurar uma escrupulosa justificativa para a falta de audição da missa por parte do marido de Dona Guidinha do Poço, certa vez.  Esta não se esquece de levar um ramo de flores ao Senhor Santo Antônio.   Oliveira Paiva  compraz-se em por os nomes de Deus, Nossa Senhora e dos Santos na bôca dos que representam algum papel no drama. Certamente a influência do movimento republicano na Escola Militar, ao qual se emprestava um caráter deista, positivista, ateu mesmo, tudo se procurando reduzir ao racionalismo, é que devemos, além do recalque que vamos adiante historiar pela vez primeira, algumas frases que se deixam ressumbrar mais um ceticismo da moda que uma prova de impiedade, de anticlericalismo, mais nos parece que foram escritas irrefletidamente, apressadamente, a furto, a êsmo, como quem receava gravar aqueles períodos no papel, e nele ficaram sem ter havido tempo para reflexão, para eliminar essas frases malsinadas, pois logo depois se finara...

A Dona Angela, ao atender a uma escrava, enrolou "as Horas Marianas na sua capa de couro, dando um nó na respectiva correia". Ora, havia em nossa casa, quando éramos pequenos, uma caixa cheia de livros religiosos, que meu tio Manoel havia de ter manuseado também na sua infância tão pobre como a minha, mais ainda que a minha: uma meia dúzia de "Horas Marianas", algumas encardenadas em forte e bela carneira; umas três "Imitação de Cristo", do Pe. Roquette; o "Combate Espiritual"; a "Missão Abreviada"; o "Relicário Angélico"; o "Escudo Admirável; as "Revelações de Ana Catarina Emmerich"; o "Evangelho em Triunfo ou a História de um Filósofo Desenganado" (18 vols.), que depois de alguns anos vi citado por José da Silva Lisboa, em Princípios do Direito Mercantil", Introdução; "A Voz de Jesus Cristo pela bôca ados párocos" (3 vols.); "A Âncora da Salvação". A Imitação de Cristo" era da Tipografia Aillaud, porém os demais tinham sido impressos na Tipografia Rolandiana, chamada da última sílaba em baixo da página para a página seguinte os "ss" parecidos com "ff". Todas tinham a rubrica  : "Com licença da Mesa  do Desembargo do Paço, com os respectivos emolumentos pagos. Eram todos do tempo da Rainha Nossa Senhora Dona Maria I, que Deus haja!  
Contava-me minha mãe que aos domingos, no descanso da tarde, liam-se os comentários do Evangelho do dia. Quando minha avó, pelos impedimentos da maternidade, não podia sair para a igreja, meu avô assistia ao Santo Sacrifício da missa com dupla intenção, e lia a prática correspondente em "A Voz de Jesus Cristo", para que ela, em espírito, se unisse ao sacerdote e à significação litúrgica da missa. Esse era o exemplo constante de Mestre João Francisco de Oliveira e  Maria Isabel de Paiva Oliveira. 
Por parte de Paiva, exemplo era  o  velho cel. Antônio Pereira, que só se reconciliou com Deus na morte, pai do Marechal e do Desembargador, mas que no entanto, mamãe via beijar reverentemente a mão de Irmã Bazet, primeira Superiora do Colégio da Imaculada Conceição, parece-me que a vida do Engenho, das boiadas, dos comboios, das lutas de família, das questões políticas talvez inconcebíveis como as de hoje, modificára,, com a vida agitada e por vezes cruenta, um certo "viver perigosamente", desde os tempos dos Capitães Mores, das Sesmarias, os sentimentos religiosos que a distância das Freguesias, como também ainda hoje, muito mal alimentava. Verdade é que o Barão de Studart menciona vários sacerdotes, em meio à convergência de sangue diversos e a prova é que primos nossos eram o padre Leopoldo de Araújo Feitosa, que foi Cura da Sé de Fortaleza, tão manso quanto dado a estudos da Igreja, de quem minha irmã guardou "As Belezas do Cristianismo", sendo ele seu padrinho de Batismo, e o padre Francisco Máximo de Feitosa e Castro, Vigário e Chefe de Partido, que afinal sabia bem conjugar um gênio divertido , nem tanto que fizesse esmaecer seu caráter de Ministro do Altar.
Por J. Paiva
...continua...

&&&&&&&
NOTAS:
1- Mantive a ortografia original do texto de J. Paiva,  de quando ele o publicou, em 1952, no jornal "O NORDESTE", jornal católico de Fortaleza, onde ele escreveu durante muitos anos.

2- As ilustrações com fotos, que antecedem ao texto histórico-biográfico, possivelmente tornam a postagem mais atraente, tendo em vista que, para mim, "enriquecem" alguns fatos citados no conteúdo biográfico de Manoel de Oliveira Paiva, escrito por J. Paiva, meu pai.

*******

Retornarei, com o Capítulo V...........Um abraço! 



quarta-feira, 2 de maio de 2012

O NORDESTE, SÁBADO , 10 DE MAIO DE 1952

MANOEL DE OLIVEIRA PAIVA (III)
Contingências e sentimentos da família
J. Paiva
Antes de 1870, a atual Praça José de Alencar, que já se chamou
Praça Marquês do Herval, chamava-se Praça do Patrocínio.
(site Oficina de Projetos- Preservando a História).
Antiga Praça Marquês do Herval, hoje Praça José de Alencar, vendo-se
ao fundo a Igreja Nossa Senhora do Patrocínio. À esquerda, fica a Rua
24 de Maio, para onde se mudou a família Oliveira Paiva, após a morte
do Mestre João Francisco de Oliveira. (Foto: Arquvo Nirez)
Foto semelhante à anterior, colorida manualmente. Era
costume, nas décadas de 1920, 30, a venda de postais 
coloridos à mão...,em Fortaleza-CE.(Foto: Arquivo Nirez)
Foto mais próxima da Igreja do Patricínio. Do lado
direito, o belo prédio onde funcionava a Fênix Caixeiral,
escola que formava Guarda-Livros ( atual Contalibilista).
Nela, formou-se meu pai, José Joaquim de Oliveira Paiva
(J. Paiva, autor desse texto biográfico) onde, também, tornou-se
 Bibliotecário e Professor de Francês. (Foto: Arquivo Nirez)
Foto, ainda mais próxima,da Igreja do Patrocínio e da Fênix...
A Fênix Caixeiral, foi um grande polo de disseminação cultural,
em Fortaleza, por muitos anos.... Hoje, já não existem, nem o prédio,
nem a agremiação. Procurei, em vão, por seu acervo de livros e documentos
. Lamentável!  Mas continuo na busca...(Foto: Arquivo Nirez)
Visão aérea da Fortaleza de 1937. Vê-se, à esquerda a antiga Sé
de Fortaleza, antes de sua demolição, ocorrida.em 1938. Na extrema
direita, bem acima, a Igreja do Patrocínio.  O cenário é do século XX,
mas as Igrejas, da Sé e do Patrocínio, foram construídas no século XIX, e
nelas rezaram João Francisco de Oliveira, Maria Isabel de Paiva Oliveira, Manoel
 de Oliveira Paiva, e outros familiares, dentre eles, meu pai, (Foto: Arquivo Nirez)
Praça José de Alencar, em foto do anos 1960. No lugar da bela 
edificação da Fênix Caixeiral, vê-se o  espigão do INNS.
Quanta beleza, foi destruída...só a Igreja, permanece, nesta ótica...
Do lado oposto, em frente à igreja, está o Theatro José de Alencar.
Padre Bartolomeu Taddei, que introduziu
o "Apostolado da Oração" no Ceará, com outros
padres jesuítas italianos.´(foto: google)

As notas que hora redijo, já na tarde da vida, destinadas a colocar o nome de Manoel de Oliveira Paiva no exato ambiente de sua curta existência, graças à tradição dos nossos avós, transmitida durante a convivência de quase 56 anos, com sua irmã e minha mãe, Rosa de Oliveira Paiva, e minha irmã, Maria Carmelita, muitas vezes não podem encontrar uma correspondência certa do ano em que tal e tal fato ocorreu. Não tenho em mãos o acervo de documentos impressos do tempo, afim de poder estabelecer a curva precisa do incidente narrado. É êste, pois, um arcabouço que, se não me faltarem vida e ânimo, terei que encher e colorir.


Morto meu avô, português que, ao trabalho e à honestidade, alinhava lampêjos constantes de gênio criador, minha avó fora forçada, de um dia para outro, a procurar novo abrigo para si, oito  filhos pequenos, mais a dependência de escravos, restos de uma abastança partilhada entre ela e as enteadas. Os dois filhos do sexo masculino, João e Manoel, eram ainda quase crianças, pois o autor de "Dona Guidinha do Poço" nascera a 12 de julho de 1861. Foram residir quase em frente à Matriz do Patrocínio, se assim se denominava nêsse tempo a Paróquia, numa das antigas casas de beira e bica, no começo do primeiro quarteirão do lado da Rua 24 de Maio. Auxiliava-a um pouco o irmão cel. Antônio Pereira de Brito Paiva, que se metera na Política e era Tesoureiro Provincial.


Sob a influência de João Francisco de Oliveira, já as senhoras de minha família iam-se se tornando devotas . Para isso tinha muito contribuído a vinda do Pe. Antônio Onoratti, célebre jesuíta, que chegara ao Brasil, em companhia do Pe. Bartolomeu Taddei, o Apóstolo da Devoção ao Coração de Jesus,, em nossa Pátria, a 13 de de novembro de 1865. O Pe. Onoratti trabalhava , depois de Itú, no Colégio d S. Francisco Xavier, no Recife, teatro de dolorosas cenas a 14 de Maio de 1873, quando da Questão Religiosa que plasmou a alma desse nosso santo brasileiro, Dom Frei Vital. Como diz o biógrafo de Padre Taddei, ao chegarem a Itú, de cujo Colégio de S. Luiz, então fundado, tinha sido o primeiro Reitor, começaram os padres a combater o Protestantismo e o Jansenismo  de muitos católicos, os quais, tendo sido instruídos por sacerdotes jansenistas, admitiam um rigorismo abominável, tornado difíceis ou impossíveis a Confissão, a Comunhão, o Jejum ou outros atos religiosos. Com a introdução  do "Apostolado da Oração", prodigamente denominado "Associação do Coração de Jesus", no Ceará,onde missionou, com os Padres Taddei, Sottovia e outros, por várias Províncias, conseguiu o futuro autor de o "Crisóstomo Português", incrementar em Fortaleza o movimento religioso.
(Por J. Paiva)
...continua...

*******
NOTAS:
1- Com o sub título, "Contingências  e sentimentos da família", teremos mais os capítulos IV e V.
2- As fotos que ilustram as postagens, são para que o leitor, de certa forma, se "ambiente" no cenário e  em que viveram o autor da biografia e o biografado, ainda que em épocas diferentes. A Igreja de N. Senhora do Patrocínio, é a mesma...até hoje...

*******

Em uma semana, estarei de volta. Um abraço!